
CENTRE FOR FUNCTIONAL ECOLOGY - SCIENCE FOR PEOPLE & THE PLANET. UNIVERSITY OF COIMBRA
JORGE PAIVA
A RELEVÂNCIA DA BIODIVERSIDADE
Fotografia APNCT | Ciclo de Palestras "As Áreas Classificadas e a Protecção da Biodiversidade"
Palestra inaugural pelo Professor Doutor Jorge Paiva “A relevância da Biodiversidade” | 24 de Maio de 2016 | Auditório do Convento de São Francisco, Trancoso
Qualquer pessoa sabe que precisa de comer para viver e crescer e que a comida é constituída por material biológico (vegetal, animal ou de outros organismos).
Também toda a gente sabe que qualquer motor para trabalhar precisa de um combustível que, através de reacções químicas exotérmicas (combustão) liberta calor (energia) suficiente para que o motor funcione. Os carburantes (gasolina, gasóleo, álcool, gás, etc.) são compostos orgânicos com Carbono (C), Hidrogénio (H2) e Oxigénio (O2). Quando se dá qualquer reacção química, formam-se outros compostos (um dos que se forma na combustão é o CO2), que, neste caso, são expelidos pelos tubos de escape, sendo, muitos deles, poluentes.
Todos sabemos que o nosso corpo tem vários “motores”. O coração é um desses “motores” que está sempre a “bater” (trabalhar) e que não pode parar. Quando pára, morre-se. Se o coração é um motor, tem de haver um combustível para que este motor funcione. Esse combustível é a comida, que não é de plástico, nem são pedras, mas sim produtos vegetais, animais e de outros seres vivos (leveduras, por exemplo). Essa comida que ingerimos é transformada no nosso organismo em energia (calor), através de reacções exotérmicas (digestão) semelhantes à referida combustão, que vai fazer com que os vários motores do nosso corpo, entre os quais o coração e os pulmões, trabalhem e nos mantenham vivos.
Na comida estão as substâncias combustíveis com Carbono (C), Hidrogénio (H2) e Oxigénio (O2), como são os hidratos de carbono (açucares, farinhas, etc.), lípidos (gorduras, como o azeite, a manteiga, etc.) e proteínas (na carne, no peixe, nas leguminosas, como o feijão, a fava, a ervilha, etc.). Estas últimas têm mais um elemento, o Azoto (N2), que, apesar de nos ser muito útil em reduzida quantidade, é muito tóxico. Assim, tal como acontece com os veículos automóveis, da comida que ingerimos, durante a digestão (reacções químicas) formam-se muitos compostos que, tal como nos automóveis, são expelidos do nosso corpo sob a forma de fezes. Mas, para os compostos azotados, nós temos de ter outro “escape”, que é a urina, que os veículos automóveis não têm por não precisarem de proteínas, não crescem como os seres vivos.
Assim, qualquer pessoa entende que os outros seres vivos são a nossa “gasolina” (combustível) e que se não os protegermos e eles desaparecerem do Globo Terrestre, também nós vamos desaparecer, por ficarmos sem carburante.
Todos os seres vivos necessitam dessas substâncias orgânicas como nutrientes (“combustíveis”). As plantas, porém, não precisam de comer, porque são os únicos seres vivos que são capazes de as sintetizarem (produzirem), “acumulando” no seu corpo o calor (energia) do Sol (a fonte de energia que aquece o Planeta Terra) com a ajuda de substâncias (CO2 e H2O) existentes na atmosfera e reacções químicas endotérmicas (fotossíntese). Como os animais não são capazes de fazer isso, têm que comer plantas (animais herbívoros) para terem produtos energéticos ou, então, comerem animais que já tenham comido plantas (animais carnívoros). Nós, espécie humana, tanto comemos plantas como animais, por isso, dizemos que somos omnívoros.
Entre as plantas, há enormes diferenças na quantidade de biomassa que produzem e no volume de gás carbónico (CO2) que retiram da atmosfera e o de oxigénio (O2) que libertam, como, por exemplo entre o que produz uma pequena erva anual e uma árvore que está todo o ano ao sol. Entre as árvores, as maiores produtoras são as árvores da floresta tropical de chuva (pluvisilva), pois, por se encontrarem nas zonas equatoriais, têm o Sol não só praticamente na vertical, como tiram proveito de maior luminosidade, por os dias serem praticamente iguais durante todo ano. É, por isso, que é nestas florestas que não só se encontram os maiores seres vivos terrestres (árvores com 6000 toneladas), como também são as florestas de maior biomassa vegetal. Portanto, são as florestas que podem alimentar não só os maiores herbívoros terrestres (elefantes), como a maior quantidade de outros herbívoros e uma enorme diversidade de organismos. As florestas tropicais são, pois, os ecossistemas terrestres de maior biodiversidade, são o “pulmão” do Globo por ser aí que se produz o maior volume de oxigénio (O2) e são a região com maior acção “purificadora” do ar, por ser aí que as plantas absorvem o maior volume de gás carbónico (CO2).
Mas os outros seres vivos não são apenas as nossas fontes alimentares, fornecem-nos muito mais do que isso, como, por exemplo, substâncias medicinais (mais de 80% dos medicamentos são extraídos de plantas e cerca de 90% são de origem biológica), vestuário (praticamente tudo que vestimos é de origem animal ou vegetal), energia (lenha, petróleo, ceras, resinas, etc.), materiais de construção e mobiliário (madeiras), etc. Até grande parte da energia eléctrica que consumimos não seria possível sem a contribuição dos outros seres vivos pois, embora a energia eléctrica possa estar a ser produzida pela água de uma albufeira ou por aerogeradores, mas as turbinas precisam de óleos lubrificantes. Estes óleos são extraídos do “crude” (petróleo bruto), que é de origem biológica.
Assim, dos três Patrimónios (Material, Cultural e Biológico) o único essencial para a nossa sobrevivência é o Património Biológico (Biodiversidade), sendo, porém, aquele a que temos dado menos atenção e o que mais tardiamente tem merecido cuidados de preservação.
Foi um descuido tremendo e continua-se a laborar no mesmo erro, pois a maioria dos governantes de todos os países ignora, quase em absoluto, a extraordinária importância que os outros seres vivos têm na nossa vida.
Enfim, sem o Património Biológico (Biodiversidade) não comíamos, não nos vestíamos, não tínhamos medicamentos, luz eléctrica, energia, etc.
Portanto, temos que assumir o compromisso de preservar ao máximo a Biodiversidade, pois sem os outros seres vivos (Biodiversidade) perderemos o ensejo (oportunidade) da sobrevivência da nossa espécie.
Jorge Américo Rodrigues de Paiva, nascido em Cambondo, Angola, a 17 de setembro de 1933, é formado em Ciências Biológicas pela Universidade de Coimbra e Doutorado em Biologia pelo Departamento de Recursos Naturais e Meio Ambiente da Universidade de Vigo (Espanha). Foi investigador principal no Departamento de Botânica da Universidade de Coimbra, onde ensinou algumas disciplinas, dando palestras como professor convidado em diversas universidades por todo o mundo.
Como investigador do Instituto Nacional de Pesquisa Científica (INIC), trabalhou por três anos em Londres, nos Jardins Kew e na Secção de História Natural do Museu Britânico. Como fitotaxonomista, percorreu a Europa, particularmente a Península Ibérica, as Ilhas Macaronésias, África, América do Sul e Ásia, tendo também visitado a Austrália.Pertenceu à Comissão Editorial da Flora Ibérica (Portugal e Espanha), Flora de Cabo Verde e Conspectus Florae Angolensis, bem como de algumas revistas científicas. Foi colaborador (no estudo de alguns grupos de plantas superiores) de várias floras africanas, como a Flora Zambesiaca (Moçambique, Malawi, Zimbábue, Zâmbia e Botswana), Flora da África Oriental Tropical (Quénia, Tanzânia e Uganda), Flore du Gabon e Flore du Cameroun. Integrou ainda vários grupos internacionais de investigadores em estudos e colecções de campo, não só na Península Ibérica, mas também em países africanos (Moçambique, Quénia, Seychelles, Tanzânia, Zimbábue, Angola, Cabo Verde e S. Tomé e Príncipe), asiáticos (Timor, Tailândia e Vietname) e americanos (Brasil e Paraguai).
Como ambientalista, é conhecido pela sua intransigente defesa do Meio Ambiente, sendo um membro activo de várias Associações e Comissões nacionais e estrangeiras. A sua actividade em defesa do meio ambiente foi distinguida em 1993 com o Prémio “Nacional” da Quercus (Associação Nacional para a Conservação da Natureza); Em 2005, com o Prémio “Carreira” da Confederação Nacional das Associações de Defesa Ambiental; Em 2005, com o Prémio “Amigos da Prosepe” da Prosepe (Projeto para Sensibilizar a População Escolar); Em 2001 e 2002, com as menções honrosas dos respectivos Prémios Nacionais de Meio Ambiente “Fernando Pereira” conferidos pela Confederação Nacional das Associações de Defesa do Meio Ambiente.
Em dezembro de 2013, foi homenageado pela Universidade de Coimbra pela sua actividade como cientista, professor e divulgador de ciências, com uma sessão solene no Auditório da Reitoria, intitulada “Uma vida dedicada à Botânica” e a inauguração do “Sala da Cultura Científica Jorge Paiva”, no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra; Em maio de 2014, pela Santa Casa da Misericórdia de Arganil com a inauguração do Largo Jorge Paiva no Parque adjacente ao edifício; Em novembro de 2014, pela Ciência Viva (Agência Nacional de Cultura Científica e Tecnológica) com o Grande Prémio de Ciência Viva 2014.
Publicou mais de quinhentos artigos sobre fitotaxonomia, palinologia e meio ambiente.
fonte: cfe.uc.pt